A “lantaka” é um pequeno canhão, geralmente em bronze, com origem na Malásia, arquipélago do sudoeste asiático. Sendo uma região de grande atividade comercial com um tráfego significativo de embarcações mercantes era fundamental a defesa das mesmas, sobretudo dos piratas que abundavam naquelas águas. Assim, antes ainda da chegada dos portugueses ao sudoeste asiático, era já prática corrente o uso, tanto por comerciantes como por piratas, destas pequenas peças de artilharia montadas geralmente nas amuradas, num suporte de forquilha.
Quando Afonso de Albuquerque cercou Malaca, em 1511, referiu que a sua esquadra foi recebida com tiros de canhão. Após a queda desta cidade, João de Barros refere, nas “Décadas”, a captura de mais de 3.000 peças de artilharia das quais 2.000 em bronze, entre as quais se incluíam naturalmente “lantakas” de diversos calibres. Nas cartas que Afonso de Albuquerque enviou a D. Manuel, dando conta dos feitos nestas paragens, refere que a “artilharia [capturada] é de tal qualidade que não pode ser excedida pelos fundidores portugueses”, tendo enviado para o Reino alguns exemplares.
Apesar da boa qualidade destas peças e da sua configuração típica (cerca de 1 m de comprimento, calibres que variavam entre os 10 e os 50 mm, a cascavel oca para inserir uma haste de madeira e uma boca decorada de grande dimensão exterior), os exemplares do início do século XVI eram de decoração simples.
Localmente, além da sua função como arma, a posse de “lantakas” era igualmente um sinal de poder e de riqueza. Rapidamente os portugueses estabelecidos nesta região se aperceberam da importância destas peças de artilharia para os locais, pelo que se transformaram em moeda para as trocas comerciais, presentes honoríficos e, para muitos comerciantes, a oferta que podia comprar a passagem segura em mares infestados de piratas.
Assim, além das “lantakas” produzidas localmente, elas foram também fabricadas nas fundições portuguesas, por mestres fundidores portugueses, nomeadamente em Goa e Macau e também no Reino. Naturalmente que, tratando-se de presentes, se exacerbou a riqueza das decorações.
Conservaram, no entanto, o gosto oriental, tendo sido inseridos não só novos elementos decorativos europeus, nomeadamente fitomórficos e interpretações europeias da fauna malaia, mas também elementos estruturais como a adição de “golfinhos” junto aos munhões, bem visível no caso deste exemplar pertencente ao Museu de Angra do Heroísmo.
Após a queda de Malaca às mãos dos holandeses em 1641, estes deram continuidade à função diplomática das “lantakas”, também eles recorrendo às fundições locais e a fundições e mestres fundidores noutros territórios holandeses nas Índias Orientais e na Holanda. Com o desenvolvimento da artilharia, sobretudo no século XIX, as “lantakas” ficaram apenas com o importante papel simbólico de riqueza, que ainda hoje conservam, sendo disparadas durante a recepção de convidados importantes, casamentos e outros eventos sociais de relevo. A perda da sua funcionalidade reflectiu-se naturalmente no seu fabrico que passou a privilegiar a decoração em detrimento do rigor e qualidade da alma do cano.
Apesar de remetidas para o plano simbólico/social, voltaram a ter uso militar durante a revolução filipina contra o poder espanhol (1896) e, pouco depois, durante a rebelião do povo Moro (Filipinas 1899-1913), que as usou contra as tropas americanas, fundidas na altura com bronze dos sinos das igrejas.
Assim, a “lantaka” constitui um elemento representativo de fusão cultural entre o Oriente e o Ocidente. De uma identidade própria inicial malaia, por certo com forte influência chinesa, a partir do século XVI, transfigurara-se numa nova identidade luso-malaia que perdurou até à actualidade.
